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Mitos sobre o uso da bicicleta nas ruas de SP

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Por: Sabrina Duran/ coluna Na Bike 

dicas-bicicletaAo longo de quase quatro anos pedalando por São Paulo – e depois de um ano e meio escrevendo para o Na Bike -, já ouvi diversos comentários sobre o uso da bicicleta como meio de transporte na cidade. Muitos desses comentários revelavam um grande nível de curiosidade e necessidade do interlocutor em saber mais sobre como é pedalar nas ruas de São Paulo. Escolhi 7 desses comentários para discorrer brevemente a respeito. Há três coisas em comum entre eles: em primeiro lugar, são afirmações; em segundo, baseiam-se em mitos geralmente disseminados pelo poder público por meio da imprensa; e em terceiro lugar, são comentários feitos por pessoas que gostariam muito de usar a bicicleta como meio de transporte, mas não o fazem porque acreditam demais nos mitos. 

  

1. PEDALAR NA RUA É PERIGOSO

Perigosas são a velocidade e a imprudência no trânsito. Ponto. Quem diz que pedalar na rua é perigoso por causa da presença dos carros está assumindo e incorporando em sua rotina duas grandes mentiras impostas, ao longo de décadas, pelo poder público em parceria (financeira) com a indústria automobilística.
Mentira 1: a rua é lugar só para carros. Mentira 2: a rua é lugar adequado para motoristas exibirem a alta performance de suas máquinas. Ao aceitarmos esses argumentos, que partem de premissas falaciosas, legitimamos e damos mais força ao mito de que pedalar nas ruas é perigoso. Enquanto não combatermos essas mentiras colocando nossas bikes no asfalto e disseminando conhecimentos que partem de premissas corretas, perpetuaremos o mito que interessa a uma gente graúda nada comprometida com o bem comum, mas com o próprio bolso. A rua é pública, portanto, do público, seja ele pedestre, carroceiro, ciclista, motociclista ou motorista. Pedalar, assim como dirigir, não é perigoso desde que você tome os cuidados necessários. No caso do ciclista, é preciso, acima de tudo, fazer-se visível e num lugar seguro. Isso se consegue mantendo-se na pista da direita, ocupando a faixa toda como um carro ou moto o fariam (veja mais a respeito no tópico 3); usando luzes traseira e dianteira; sinalizando com os braços suas intenções (virar à esquerda, à direita, pedir ao motorista que vem atrás para reduzir a velocidade). Na rua, mantenha sempre uma velocidade segura, que lhe permita ter tempo de reagir numa situação de imprevisto (uma freada brusca do carro da frente, um pedestre atravessando entre os carros). A rua não é território da velocidade, mas da prudência.

 

2. PEDALAR NA CONTRAMÃO É MAIS SEGURO

dicas-bicicleta5Está aí um mito que pode ser fatal. Durante muito tempo acreditou-se que pedalar na contramão era mais seguro porque assim o ciclista veria quem se aproximasse dele, o que lhe daria mais poder para evitar acidentes. O problema é que o ciclista pode até ver quem vem, mas quem vem não está esperando vê-lo e, muito menos, ter que desviar de alguém que trafega na mão oposta. As áreas de conversões, as sinalizações e toda a orientação do tráfego é feita segundo um sentido pré-determinado, convencionado e aceito por todos. Pedalar, literalmente, na contramão dessas convenções é, no mínimo, uma batalha kamikaze onde um susto ou uma colisão grave podem ser apenas questão de tempo. Considere que na contramão o choque entre dois corpos em movimento (bike e carro, no caso) é muito mais forte do que em mãos iguais. Isso sem falar em colisões com pedestres (a parte mais frágil de todas) que, assim como os motoristas, não estão esperando nenhum veículo na mão oposta e atravessam quase sempre sem olhar para o lado do contra-fluxo. Sendo assim, evite contramão a todo custo.

 

3. PEDALAR NO MEIO-FIO É MAIS SEGURO

Outro mito perigoso. O Código de Trânsito Brasileiro diz que quando não houver ciclovia, ciclofaixa ou acostamento, ou quando não for possível a utilização destes, o ciclista deverá pedalar “nos bordos da pista de rolamento, no mesmo sentido de circulação regulamentado para a via, com preferência sobre os veículos automotores” (artigo 58). Bordo não é meio-fio. Bordo é algum lugar (que o CTB não especifica) na pista à direita ou à esquerda – preferencialmente à direita, onde não existe velocidade mínima (artigo 219 do CTB). Considerando que: a) o CTB prioriza a vida e, b) o CTB não especifica se bordo é algum lugar a 10cm, 50cm ou um metro distante da guia, é fundamental, para a segurança do ciclista, ocupar a faixa como faria qualquer outro veículo – moto, carro, ônibus ou caminhão. Dessa forma, o ciclista obriga o motorista que vem atrás a mudar de faixa para ultrapassá-lo (como faria com qualquer outro veículo), respeitando a distância de 1,5 metro como prevê o artigo 220 do CTB. Para estar seguro, o ciclista precisa ser visto na via, e não é se escondendo no meio-fio que conseguirá isso. Pelo contrário. Pedalar no meio-fio é extremamente arriscado porque esse espaço na via está sempre cheio de buracos, valetas, desníveis, bueiros em forma de grelha (na posição vertical, claro), caçambas de entulho e, principalmente, carros estacionados. Além disso, há grandes chances de o ciclista bater com o pedal na guia e se desequilibrar ou, pior, levar uma fina de algum motorista e cair sobre um pedestre na calçada ou à esquerda, no caminho do motorista que vem logo atrás. Pedalar no meio-fio não é nada seguro.

 

4. SÓ SERÁ POSSÍVEL PEDALAR COM SEGURANÇA QUANDO HOUVER CICLOVIAS NA CIDADE TODA

dicas-bicicleta2Esperaremos sentados por esse dia que nunca chegará. São Paulo tem mais de 17 mil quilômetros de vias pavimentadas. É econômica e fisicamente inviável (e inclusive desnecessário) colocar ciclovias em toda essa extensão. As ciclovias, estruturas físicas permanentes que segregam ciclistas e automóveis nas ruas (ao contrário das ciclofaixas que, por meio de pintura no chão, demarcam o espaço dos ciclistas, mas não os isola fisicamente dos automóveis), são importantes em vias de trânsito rápido, como as marginais. Mas na grande maioria das ruas da cidade, a velocidade limite é compatível com a presença de ciclistas – poderia até ser mais, com uma redução mais inteligente da velocidade. O compartilhamento pacífico das ruas é a solução mais civilizada que uma cidade pode dar ao seu trânsito. E isso se faz com o estímulo ao compartilhamento por meio de campanhas públicas sérias, com sinalização adequada, fiscalização e punição exemplar dos infratores. Só em uma cidade formada por bárbaros é que seria cabível defender uma segregação assim de radical no espaço público a fim de evitar carnificinas. A ausência de ciclovias não é impeditivo para que usemos nossas bikes nas ruas. Aliás, é fundamental que ocupemos cada vez mais o espaço que nos cabe na via e nos é garantido pelo Código de Trânsito Brasileiro (CTB). Cabe a nós exercer nossos direitos e exigir, ativamente, que o poder público nos garanta a estrutura necessária (como garante aos motoristas) para circularmos pelas ruas com segurança. Ficar em casa com medo do mundo não é, definitivamente, a melhor solução.

 

5. ESTOU FORA DE FORMA, NÃO CONSIGO PEDALAR

Então a bicicleta foi feita pra você. Pedalar é um exercício de baixo impacto, que pode começar com um grau de dificuldade bem baixo e pode ser praticado por crianças, jovens, adultos e idosos. Pedalar emagrece, dá mais energia, disposição, melhora os batimentos cardíacos, a musculatura, a respiração, deixa corpo e mente mais ágeis e garante um prazer diário incrível (e tudo isso de graça). O mito de que precisamos ser atletas para pedalar é uma grande, grande bobagem. Eu não sou atleta. 99% dos meus amigos e amigas que pedalam (e são muitos) também não o são. Vários deles, inclusive, estão acima do peso, são fumantes e não fazem qualquer outro exercício quando não estão em cima da bike se deslocando para ir ao trabalho ou à faculdade. Mas isso não torna nenhum deles menos apto ao pedal. Acostumar-se a uma bicicleta pode levar horas ou alguns poucos dias. Tudo é uma questão de encontrar a bicicleta adequada para nosso físico e propósitos, traçar rotas amigáveis e respeitar os limites do nosso corpo, que pouco a pouco vão se expandindo. Quando você menos esperar, a bicicleta terá se tornado – sem exageros – uma extensão do seu corpo, um instrumento orgânico que potencializa o que seria o seu caminhar, te dá agilidade, economia de tempo e energia e, ainda por cima, não impõe as dores de cabeça que um carro daria – combustível, IPVA, seguro, estacionamento, etc, etc, etc.

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6. NÃO TENHO DINHEIRO PARA COMPRAR TODOS OS ACESSÓRIOS NECESSÁRIOS PARA PEDALAR NA CIDADE

O que você chama de acessórios necessários? Bemuda para ciclismo? Sapatilha para ciclismo? Óculos para ciclismo? Camiseta dry fit? Então não se preocupe, porque ninguém precisa disso para usar a bike como meio de transporte na cidade. Certa vez vi na TV a entrevista de um rapaz todo paramentado de ciclista sugerindo o uso de todos esses itens acima para quem quisesse pedalar na cidade. Bobagens como essa (especialmente as ditas na TV) podem afastar muita gente da bike. Veja, estamos falando de usar a bicicleta como meio de transporte, e não de performance. Qualquer roupa que te deixe confortável em cima de uma bicicleta é adequada para pedalar – e, sim, há quem pedale muito bem de terno, vestido, salto alto e saia. Sobre os equipamentos de segurança, não é apenas obrigatório pelo CTB (artigo 105, inciso VI), mas fundamental para sua segurança a “sinalização noturna dianteira, traseira, lateral e nos pedais”. O código também obriga a utilizar buzina e retrovisor do lado esquerdo. Como lembra Willian Cruz, do Vá de Bike, o projeto de lei 2956/2004, ainda em tramitação na Câmara dos Deputados, tenta desobrigar a instalação da campainha e retrovisor. Quem pedala com frequência pelas ruas da cidade não demora a perceber que esses dois itens na bicicleta são de pouca utilidade, perdendo em eficácia para a própria voz do ciclista (na comparação com a buzina) e na visão periférica e atenção constante ao fluxo de veículos (na comparação com o retrovisor esquerdo). Buzina e retrovisor em bike não funcionam bem como em um veículo motorizado. E o capacete? O capacete não é obrigatório pelo CTB. Vejo nessa ausência de menção ao capacete no código uma realidade interessante. O CTB preza, acima de tudo, pela proteção à vida. Para isso, entre outras coisas, ele estabelece que os veículos maiores protejam os menores – a escala decresce até chegar no ciclista que protege o pedestre. Sendo assim, numa cadeia de mútua e contínua proteção (e não de agressão), que utilidade teria um capacete? Pois bem, mas o CTB não é cumprido como deve pelos motoristas e nem pelas autoridades de trânsito das cidades, que há décadas vêm mimando motoristas e criando milhares, milhões de rebeldes armados com carteira de habilitação e carro. Daí que, vez por outra – em geral quando um ciclista é assassinado nas ruas por um motorista – surja a histeria sobre o uso do capacete. Sobre isso, basta dizer que nos casos mais conhecidos de assassinato de ciclista – o de Márcia Prado e Juliana Dias, ambas na avenida Paulista - as vítimas usavam capacete. E isso pra dizer que o capacete só é eficaz em pequenas quedas, sem velocidade nem choque com veículos maiores, e que é preciso reduzir a velocidade nas vias e obrigar os motoristas, via gestores públicos, a respeitarem os ciclistas como manda o CTB. Se você se sentirá mais seguro/a com um capacete, utilize-o! O seu conforto e auto-confiança são essenciais para o seu bom desempenho na bike nas ruas da cidade. Outra dica: invista numa boa trava/cabo de aço para prender sua bicicleta na rua. Você não se arrependerá do dinheiro gasto ao ver sua bike intacta sempre que voltar para buscá-la após tê-la deixado só por um tempo.

 

7. BICICLETA DOBRÁVEL É MUITO CARA. GOSTARIA DE TER UMA, MAS NÃO POSSO

dicas-bicicleta4Recentemente tenho usado muito minha dobrável combinada com ônibus para ir da zona oeste ao centro da cidade. Em 99% das vezes que entro no coletivo, o cobrador da vez, encantado com a praticidade da bicicleta que dobra, me diz de primeira: “uma bike dessa aí é cara, né não?”. Minha resposta costuma ser: “olha, depende. Uma bike de 50 reais pode ser muito cara – e perigosa – se ela perder as rodas enquanto eu estiver descendo a Avenida Rebouças”. A lógica da afirmação baseia-se numa matemática simples: o caro ou barato dependem da qualidade do produto, do uso que se faz dele e da economia que se realiza a longo prazo com sua aquisição. Comprei minha dobrável em 2009 e sempre tirei o máximo dela. Nas últimas semanas nunca a usei tanto tendo que me deslocar do Jaguaré até a Praça da República pelo menos 4 vezes por semana. Dia desses, usando a dobrável + ônibus + metrô, passei em cinco lugares da cidade num período de quatro horas em um dia de chuva em horário comercial – um milagre para quem estivesse usando carro ou apenas transporte coletivo. Compreendida como meio de transporte (e não de lazer, como fazem as pessoas que a vêm como um produto caro), a bicicleta dobrável é barata. Ela dá independência e praticidade diária ao usuário, encurta distâncias, facilita deslocamentos e garante uma economia de tempo e dinheiro que pagam seu valor em poucos meses. Um carro é quase sempre um gasto, não um investimento. Gasta-se uma fortuna para adquiri-lo; gasta-se outra fortuna diária com combustível; gasta-se ainda com seguro, IPVA, estacionamento e manutenção – e esta última, com o tempo, costuma ser mais cara por conta do avanço na idade do automóvel. Com a bicicleta, pelo contrário, gasta-se um valor único, que se mostrará vantajoso com a rotina de não-gastos e economia de tempo que se faz com ela. Não é preciso gasolina/álcool, nem seguro ou IPVA, muito menos estacionamento. A manutenção é baratíssima (comparada à do carro) e quase sempre a mesma. Decidi falar sobre a dobrável nesse post porque a vejo, com conhecimento de causa, como uma possível e inteligente solução para o problema da mobilidade em São Paulo. Não há quem me veja num ponto de ônibus, ou no ônibus, que não se anime em me dizer que gostaria muito de ter uma bike assim para ir ao trabalho ou à faculdade, mas que não vê isso como uma realidade porque a dobrável é cara demais (e porque pedalar na cidade é perigoso, e porque os outros acessórios são caros, etc, etc, etc, e os demais mitos que já foram mostrados aqui). É preciso partir das premissas corretas, desfazer os mitos e disseminar informação verdadeira. Eu costumo dizer às pessoas que me abordam com afirmações sobre a dobrável que cara não é a bicicleta, mas a vida que se perde todos os dias no trânsito pelo excesso de carros dessa cidade.

Fonte: Época SP

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